
Confrontos, Actores e Consequências
Publicado em 04-10-2025
O 25 de Novembro de 1975 em Portugal: Confrontos, Actores e Consequências
Resumo
O 25 de Novembro de 1975 constitui um marco decisivo na história contemporânea portuguesa, assinalando o fim do Processo Revolucionário em Curso (PREC) e consolidando a transição para uma democracia pluralista. Este estudo informal analisa os antecedentes, os actores e os acontecimentos do dia, abordando tanto os sectores radicais de esquerda como os moderados do Movimento das Forças Armadas (MFA) e a extrema-direita, incluindo movimentos como o MDLP e o ELP, bem como o papel do marechal António de Spínola. A análise evidencia a complexidade do contexto político-militar e social, a natureza subjectiva das avaliações e a forma como a vitória dos moderados redefiniu o panorama político português.
1. Introdução
A Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974, marcou a queda do Estado Novo e o início de um período de profunda instabilidade política, social e económica em Portugal. O PREC foi caracterizado por intensa mobilização popular, ocupações de terras e empresas, greves e uma disputa aberta entre diferentes visões de futuro para o país. O 25 de Novembro de 1975 representa o culminar desta instabilidade, traduzindo-se numa viragem decisiva: derrota dos sectores radicais de esquerda e neutralização das esperanças restauracionistas da extrema-direita, consolidando-se o caminho para uma democracia constitucional.
2. Contexto Histórico e Polarização Política
2.1 O Movimento das Forças Armadas (MFA)
O MFA assumiu o protagonismo político após o 25 de Abril, mas estava dividido em três grandes tendências:
- Sector moderado ou “Grupo dos Nove”, liderado por Melo Antunes, que defendia uma transição gradual para uma democracia pluralista.
- Sector radical de esquerda, próximo do PCP e de organizações de extrema-esquerda (UDP, MES), que viam a revolução como oportunidade para a instauração de um modelo socialista mais aprofundado.
- Sector conservador ou liberal, alinhado com partidos emergentes como PS e PPD/PSD, que pretendia estabilizar rapidamente o regime e garantir a ordem institucional.
2.2 A Extrema-Direita
Surgiram movimentos clandestinos de extrema-direita, organizando atentados e conspirações:
- ELP (Exército de Libertação de Portugal): activo desde 1974, com apoio logístico no estrangeiro, promovia atentados contra organizações de esquerda.
- MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal): criado em 1975, associado a Spínola, procurava articular a resistência restauracionista.
- Marechal António de Spínola: figura central da direita conservadora, após breve presidência (Maio–Setembro de 1974) exilado em Espanha, manteve influência “simbólica” sobre movimentos da extrema-direita.
3. O Desencadear da Crise do 25 de Novembro
Em Lisboa, unidades militares ligadas à esquerda radical insurgiram-se contra ordens superiores, tentando conter a ascensão dos sectores moderados. O Comando da Região Militar de Lisboa, liderado pelo general Ramalho Eanes, coordenou a resposta, com apoio de paraquedistas de Tancos e outras unidades fiéis ao Conselho da Revolução. Os confrontos registaram número limitado de baixas, evitando um conflito de larga escala.
4. Intervenientes e Estratégias
- Sectores radicais de esquerda: pretendiam consolidar o projecto revolucionário, mantendo o controlo operário e a reforma agrária.
- Grupo dos Nove (MFA moderado): defendia a institucionalização da democracia e a neutralização das forças radicais.
- Forças conservadoras e liberais: apoiaram a intervenção moderada como forma de estabilização política.
- Ramalho Eanes: coordenou a acção militar, moderada, garantindo a neutralização da insurreição.
- Costa Gomes, Presidente da República: sancionou a intervenção da ala moderada, procurando manter equilíbrio institucional.
- Extrema-direita (MDLP, ELP, Spínola): esperava aproveitar a crise para inverter os avanços do PREC, mas viu-se bloqueada pelo triunfo dos moderados.
5. Consequências do 25 de Novembro
5.1 Para a Esquerda Radical
A derrota militar e política dos sectores radicais diminuiu significativamente a influência do PCP e de movimentos de esquerda mais extremistas.
5.2 Para os Moderados
O sucesso dos moderados reforçou o Grupo dos Nove e Ramalho Eanes, facilitando a elaboração da Constituição de 1976 e a realização das primeiras eleições legislativas e presidenciais.
5.3 Para a Extrema-Direita
- Perda de espaço político: MDLP e ELP marginalizados.
- Marginalização de Spínola: perdeu influência política, permanecendo exilado.
- Repressão e exílio: redes clandestinas perseguidas, muitos militantes refugiaram-se em Espanha.
- Fim do aproveitamento político: consolidou a exclusão da extrema-direita do espaço político.
6. Memória e Interpretação
O 25 de Novembro permanece objecto de múltiplas interpretações: vitória da democracia pluralista, “contra-revolução” limitando transformações sociais ou derrota definitiva da extrema-direita.
7. Conclusão
O 25 de Novembro de 1975 foi um momento de rutura e definição: derrotou a insurreição da esquerda radical, bloqueou as ambições restauradoras da direita autoritária e consolidou o caminho para uma democracia constitucional pluralista. Ao pôr fim ao PREC, encerrou também a possibilidade de uma guerra civil larvar, garantindo que o futuro político de Portugal se faria no quadro democrático, afastando tanto a via marxista-leninista como a neofascista.
Bibliografia (APA)
- Pinto, A. C. (2010). O PREC e o 25 de Novembro de 1975: História e Memória. Porto: Edições Afrontamento.
- Rosas, F. (2002). O MFA e a Construção da Democracia. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
- Tavares, J. (2015). Extrema-Direita e Transição Democrática em Portugal (1974–1976). Coimbra: Almedina.
- Wheeler, D. (1988). Portugal’s Revolution: Politics, Military and Society 1974–1976. London: Macmillan.
Anexos
1. Cronologia resumida do PREC e do 25 de Novembro
Data | Evento |
25 de Abril de 1974 | Revolução dos Cravos: queda do Estado Novo e início do PREC. |
Maio de 1974 | Marechal António de Spínola torna-se Presidente da República; primeiras tensões entre moderados e radicais do MFA. |
Verão de 1974 | Formação de movimentos clandestinos da extrema-direita (ELP) e activismo da extrema-esquerda (UDP, MES). |
Março de 1975 | Golpe falhado de Spínola (11 de Março) tentando travar a esquerda revolucionária. |
Setembro de 1975 | Saída de Spínola para o exílio em Espanha; consolidação do Grupo dos Nove. |
Outubro de 1975 | Intensificação de ocupações, greves e confrontos políticos entre sectores radicais e moderados. |
25 de Novembro de 1975 | Insurreição militar da esquerda radical (EPA, Polícia Militar) em Lisboa; resposta coordenada de Ramalho Eanes; derrota da esquerda radical e neutralização da extrema-direita; consolidação do caminho democrático. |
1976 | Aprovação da Constituição e realização das primeiras eleições legislativas e presidenciais em regime democrático. |
2. Organograma simplificado das facções do MFA e movimentos da extrema-direita
Movimento das Forças Armadas (MFA)
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Grupo dos Nove Esquerda Radical Sector Conservador/Liberal
(Moderados) (PCP, UDP, MES) (PS, PPD/PSD)
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Apoio à democracia Insurreição Estabilização
pluralista militar/greves política
Movimentos da Extrema-Direita
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/ \
MDLP ELP
(Spínola) (Redes clandestinas, exílio)
Tentativa de Atentados e conspirações
restauração anti-esquerda
A partir desta visão mais geral, deixe-se aqui uma tentativa de abordagem histórica do 25 de Novembro mais especializada na Extrema Direita, que tem sido esquecida nas referências ao evento.
Acções, expectativas e consequências para a direita radical e os seus movimentos no 25 de Novembro de 1975.
A Extrema-Direita e o 25 de Novembro de 1975
Contexto da Direita Radical Pós-25 de Abril
A Revolução dos Cravos desmantelou o regime do Estado Novo e, com ele, a rede político-militar e social que o sustentava. Muitos elementos do aparelho repressivo, da hierarquia administrativa e da elite ligada ao salazarismo e marcelismo sentiram-se ameaçados com as mudanças.
Nesse contexto, surgiram movimentos clandestinos de extrema-direita, empenhados em travar o avanço das forças revolucionárias:
Estes grupos desenvolveram acções armadas — atentados a sedes de partidos de esquerda, jornais, tipografias e associações culturais —, tentando criar um clima de insegurança que justificasse uma viragem política à direita.
O 25 de Novembro e as Expectativas da Extrema-Direita
Para sectores da extrema-direita, o 25 de Novembro foi visto como oportunidade para regressar à cena política. Muitos esperavam que o confronto entre a ala radical da esquerda e os militares moderados desembocasse numa “correção” mais profunda, conduzindo a uma restauração da ordem tradicional ou a um regime fortemente presidencialista de base autoritária.
No entanto, a condução da operação militar sob o comando do general Ramalho Eanes e a estratégia do “Grupo dos Nove” foram claras em dois pontos:
Assim, a intervenção moderada afastou tanto o risco de uma deriva revolucionária marxista-leninista como a possibilidade de um “golpe de retorno” ao antigo regime.
Consequências para o MDLP, ELP e Spínola
O 25 de Novembro teve consequências directas e indirectas para a extrema-direita portuguesa:
A Extrema-Direita na Memória do 25 de Novembro
Ao contrário da esquerda radical, cujas derrotas e memórias são ainda debatidas no espaço público, a extrema-direita foi praticamente excluída do novo sistema político. O 25 de Novembro marcou o seu isolamento definitivo, embora não o apagamento completo, pois o MDLP e o ELP ainda protagonizaram ações violentas até finais dos anos 70.
A figura de Spínola sobreviveu mais como símbolo histórico e militar (participando, por exemplo, em cerimónias oficiais) do que como actor político relevante.
Síntese
O 25 de Novembro de 1975, ao consolidar o campo democrático pluralista, teve como efeito não apenas a derrota da esquerda revolucionária, mas também a neutralização das esperanças da extrema-direita. Movimentos como o MDLP e o ELP viram-se marginalizados, Spínola perdeu influência, e muitos ex-militantes do antigo regime acabaram exilados ou afastados da política activa. Assim, o acontecimento não apenas encerrou o PREC, mas também bloqueou tentativas de restauração autoritária, definindo um rumo para Portugal que excluía tanto a via revolucionária marxista como a via neofascista.
Vitor Teixeira
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