The Shia Crescent
Publicado em 25-11-2024
Um Crescente Xiita (for English, please scroll down)
Sabe o que é o Crescente Xiita? E a sua
importância geopolítica no quadro de conflitos armados que se desenrolam no
Médio Oriente? Pois veja-se e pense no xadrez actual da região e nas guerras
que por lá se fazem.
O Crescente Xiita (ou Crescente Xiita) é
uma “região” transnacional, imaginada na forma de crescente lunar no Médio
Oriente, numa continuidade geográfica onde população é maioritariamente xiita, ou
onde existe uma forte minoria xiita nos vários países. São estes o Irão, o
líder do mundo xiita, o Iraque, o Bahrein (nestes três países, o Xiismo é
maioritário; no Bahrein o governo é porém sunita), Qatar, Kuwait e a província
Oriental da Arábia Saudita, o Iémen (Huthis) a Síria, o Líbano claro e ainda o
Azerbaijão, onde aquele ramo islâmico é também maioritário (embora constitucionalmente
um estado secular). Na Turquia, já agora, existe uma componente xiita
assinalável, ou no Paquistão, Afeganistão e Índia, como noutros países também
(como os Emiratos), mas com menor índice populacional.
Nos últimos anos, o termo passou a
identificar as áreas sob influência ou controlo iraniano, uma vez que o Irão tem
procurado unir todos os muçulmanos xiitas sob uma única bandeira, ou uma causa
comum. Por outro lado, este conceito mostra o crescente peso político e
económico dos xiitas no Médio Oriente. Para além dos Xiitas Duodecimais (em
ingl. “Twelver Shia”), o termo inclui também os grupos ismaelitas, zaiditas,
alauitas sírios e alevitas na Turquia. A maioria dos Xiitas é composta pelos
Duodecimais (85%). Esta denominação refere-se à crença dos seus fiéis em doze
líderes divinamente ordenados, conhecidos como os Doze Imãs, e à sua crença de
que o último imã, o Imam al-Mahdi, que vive em ocultação, reaparecerá um
dia como o Mahdi prometido. Ou seja, é uma espécie de messianismo islâmico.
Para reflexão, recordemos as palavras do
rei Abdullah II da Jordânia, ao programa Hardball, na NBC News: “Se o Iraque
liderado pelos xiitas (primeiro-ministro Mohammed Shia' Al Sudani, xiita) tivesse
uma relação especial com o Irão, e se olharmos para esta relação [Irão] com a
Síria e com o Hezbollah-Líbano, então temos este novo crescente a parecer ser
muito desestabilizador para os países do Golfo e, na verdade, para toda a
região”. O termo “Crescente Xiita” foi na verdade “inventado” por este
soberano, em 2004, numa altura em que o Irão estava a interferir no Iraque no
período que antecedeu as eleições parlamentares jordanas de Janeiro de 2005. O
contexto era de ameaça, mais tarde concretizada, de boicote às eleições por
parte dos sunitas no Iraque, levando potencialmente a um governo dominado pelos
xiitas e à suposição de que um Iraque xiita poderia cair sob a influência do
Irão (xiita também). A ideia base é a de que uma religião comum ofereceria um
importante potencial para a cooperação total entre o Irão, o Iraque, a Síria
dominada pelos alauitas (ramo xiita, mais liberal) e a milícia xiita
politicamente poderosa do Hezbollah no Líbano, numa espécie de bloco regional. Esses grupos acabam por ser também os
representantes do Irão no jogo de poder regional, os chamados “proxies”, como
agora se costuma dizer, na liuta contra o sunismo, liderado pela Arábia
Saudita, mas também ao único poder regional que enfrenta este “polvo” iraniano:
Israel.
O Ayatollah Khamenei, Líder Supremo da
República Islâmica do Irão, num discurso proferido a 5 de Junho de 2005, no
aniversário da morte do Ayatollah Khomeini, citou o projecto "Crescente
Xiita" como prova de uma política de divisão religiosa. Na 29ª Conferência
Internacional de Unidade Islâmica em Teerão, a 27 de Dezembro de 2015, o então
presidente iraniano, Hassan Rouhani, apelou aos países muçulmanos para se
unirem e se esforçarem por melhorar a imagem pública do Islão, acrescentando
que "Não existe um crescente xiita n, em um crescente sunita. Todos somos
uma lua islâmica", apelando à unidade islâmica. Noam Chomsky, influente
pensador norte-americano, afirma no seu livro Making the Future:
Occupations, Interventions, Empire and Resistance, que a maior parte das
reservas energéticas do Médio Oriente reside no chamado "Crescente
Xiita". O pesadelo de Washington é que uma coligação xiita assuma o
controlo das reservas petrolíferas mais importantes do mundo, independentemente
dos Estados Unidos, da Venezuela ou de outros países fora do Médio Oriente.
Em Janeiro de 2016, algém muito próximo
do príncipe herdeiro saudita, Mohammad bin Salman, afirmou que o mundo árabe estava
a ser confrontado "com uma lua cheia xiita", em vez de apenas um
crescente xiita, como resultado da expansão das actividades das milícias xiitas
apoiadas pelo Irão em países como o Iraque, a Síria e o Iémen. Em Dezembro de
2017, Mohammad Ali Jafari, chefe do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica
(IRGC), revelava que o Irão promoveu o estabelecimento de células xiitas armadas
de resistência em países islâmicos, e pequenas redes de combate foram criadas
noutros países, podendo vir a ter influência no futuro. E veja-se então o
cenário actual… Segundo Jafai, grandes forças de voluntários juntaram-se também
à luta “anti-terrorismo” na Síria. Jafari defendera anteriormente a necessidade
de Teerão criar um bloco islâmico xiita leal ao Irão. Mas foi antes, em 2014, que
o então chefe da Força Al Quds (“Força de Jerusalém”) - um dos cinco
ramos do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irão (IRGC), especializado
em guerra não convencional e operações de inteligência militar - Qassem
Suleimani (assassinado em 2020 pelos norte-americanos, em Bagdad), descreveu a
estratégia de Ali Khameini de derrubar os governos árabes através de
insurgências militares travadas por militantes Khomeinistas apoiados pelo Irão.
O objectivo do Irão, defendeu, era controlar “70% do petróleo mundial”. Um
renascimento xiita, dizia, liderado pelo Irão, a criar uma polaridade e um
poder regional para Teerão, numa dimensão política, de segurança e também
económica. Três países da região, o Irão, a Arábia Saudita e o Iraque, contêm a
maior quantidade de petróleo. A Arábia está em primeiro, o Irão e o Iraque
estão em segundo e terceiro lugar, mas aproximadamente 70% do petróleo mundial
localiza-se em terras maioritariamente xiitas. O petróleo do Iraque está no
corredor entre Bassorá e Bagdad; no Kuwait e Arábia [Saudita], 80% do petróleo produz-se
em locais povoados por xiitas, como Damam e Qatif. Rematou com a afirmação de
que a liderança política do Xiismo aumenta exponencialmente o poder político do
Irão.
Em países como a Síria, por exemplo,
dadas as redes e alianças estratégicas de Damasco com a Rússia e com o Irão, na
luta contra o ISIS e forças fragmentadoras do país, tem-se assistido a uma
xiização da política externa. Os alauitas, que perfazem cerca de 13-15% da
população do país (24 milhões habitantes), são xiitas, embora mais “moderados”.
Governam o país e controlam os sectores fundamentais, a partir do presidente
Bashar al-Assad e respectivo clã. Também existem ismaelitas, c. 1%, Xiitas
Septimais (sete imãs apenas). Menos envolvidos politicamente, não deixam de ser
xiitas.
Há pois uma realidade política de matriz
religiosa, o Xiismo liderado pelo Irão, com um controlo de mais de metade da
produção de hidrocarbonetos no mundo, debaixo da égide de um ramo islâmico que
perfaz apenas 10 a 15% do Islão global, mas como já vimos, ocupando um
crescente territorial que é a base de um crescimento militar e político
exponencia no desenho geopolítico mundial.
Shia Crescent
Do you understand the strategic
significance of the Shiite Crescent amidst the unfolding armed conflicts in the
Middle East? Consider the region's current geopolitical chessboard and the wars shaping its future.
The Shiite Crescent is a
transnational “region,” imagined as a lunar crescent in the Middle East, in a
geographic continuity where the population is majority Shiite or a substantial
Shiite minority in various countries. These are Iran, the leader of the Shiite
world, Iraq; Bahrain (in these three countries, Shiism is the majority; in
Bahrain, the government is Sunni); Qatar, Kuwait, and the Eastern province of
Saudi Arabia; Yemen (Huthis) Syria, Lebanon of course and even Azerbaijan,
where that Islamic branch is also the majority (although constitutionally a
secular state). In Turkey, there is a notable Shiite component, or in Pakistan,
Afghanistan, and India, as in other countries (such as the Emirates), but with
a lower population rate.
In recent years, the term has evolved to
signify areas under Iranian influence or control, as Iran has endeavored to
unite all Shia Muslims under a single banner or a common cause. This concept
also underscores Shiites' increasing political and economic influence in
the Middle East. In addition to the Duodecimal Shiites (in English, “Twelver
Shia”), the term includes Ismaili, Zaidi, Syrian Alawite, and Alevis
groups in Türkiye. Most Shiites are Duodecimals (85%). This appellation refers
to its faithful's belief in twelve divinely ordained leaders, known as the
Twelve Imams, and their belief that the last imam, Imam al-Mahdi, who lives in
occultation, will one day reappear as the promised Mahdi. In other words, it is
a kind of Islamic messianism.
For reflection, let us remember the
words of King Abdullah II of Jordan on the Hardball program on NBC News:
“If Iraq led by Shiites (Prime Minister Mohammed Shia’ Al Sudani, Shiite) had a
special relationship with Iran, and if If we look at this relationship [Iran]
with Syria and with Hezbollah-Lebanon, then we have this new escalation that
appears to be very destabilizing for the Gulf countries and, in fact, for the
entire region.” The term “Shiite Crescent” was “invented” by this sovereign in
2004, at a time when Iran was interfering in Iraq in the period leading up to
the Jordanian parliamentary elections of January 2005. The context was one of
threat, more later realized, a boycott of elections by Sunnis in Iraq, potentially
leading to a government dominated by Shiites and the assumption that a Shiite
Iraq could fall under the influence of Iran (Shiite, too). The basic idea is
that a common religion would offer significant potential for full cooperation
between Iran, Iraq, Alawite-dominated Syria (the more liberal Shiite branch),
and the politically powerful Shiite Hezbollah militia in Lebanon in a kind of
regional bloc. These groups also end up
being Iran's representatives in the regional power game, the so-called “proxies,”
as they say now, in the fight against Sunnism, led by Saudi Arabia, but also
the only regional power that faces this “octopus.” Iranian: Israel.
Ayatollah Khamenei, Supreme Leader of
the Islamic Republic of Iran, in a speech given on June 5, 2005, on the
anniversary of Ayatollah Khomeini's death, cited the "Shiite
Crescent" project as proof of a policy of religious division. At the 29th
International Islamic Unity Conference in Tehran on December 27, 2015,
then-Iranian President Hassan Rouhani called on Muslim countries to unite and
strive to improve the public image of Islam, adding that "There is no Shia
crescent n, in a Sunni crescent. Noam Chomsky, an influential North American
thinker, states in his book Making the Future: Occupations, Interventions,
Empire, and Resistance that most of the Middle East's energy reserves reside in
the so-called "Shiite Crescent." Washington's nightmare is that a
Shiite coalition will take control of the world's most important oil reserves,
independently of the United States, Venezuela, or other countries outside the
Middle East.
In January 2016, someone very close to
the Saudi Crown Prince, Mohammad bin Salman, claimed that the Arab world was
being confronted with "a Shia full moon" rather than just a Shia
crescent because of the expansion of Shia militia activities. Supported by Iran
in countries such as Iraq, Syria, and Yemen. In December 2017, Mohammad Ali
Jafari, head of the Islamic Revolutionary Guard Corps (IRGC), revealed that
Iran promoted the establishment of armed Shiite resistance cells in Islamic
countries, and small combat networks were created in other countries, which
could come to influence the future. And then look at the current scenario…
According to Jafari, significant volunteers have joined Syria's
“anti-terrorism” fight. Jafari had previously defended the need for Tehran to
create a Shiite Islamic bloc loyal to Iran. But it was before, in 2014, that
the then head of the Al Quds Force (“Jerusalem Force”) - one of the five
branches of Iran's Islamic Revolutionary Guard Corps (IRGC), specializing in
unconventional warfare and military intelligence operations - Qassem Suleimani
(assassinated in 2020 by the Americans, in Baghdad), described Ali Khameini's
strategy of overthrowing Arab governments through military insurgencies waged
by Khomeinist militants supported by Iran. Iran’s goal, he argued, was to
control “70% of the world’s oil.” A Shiite revival, he said, led by Iran, created
polarity and regional power for Tehran in the political, security, and economic
dimensions. Three countries in the region, Iran, Saudi Arabia, and Iraq,
contain the most significant amount of oil. Arabia is first, Iran and Iraq are
second and third, but approximately 70% of the world's oil is in predominantly
Shiite lands. Iraq's oil is in the corridor between Basra and Baghdad. In
Kuwait and [Saudi] Arabia, 80% of oil is produced in places populated by
Shiites, such as Dammam and Qatif. He ended with the assertion that Shiism's
political leadership exponentially increased Iran's political power.
In countries like Syria, for example,
given Damascus' networks and strategic alliances with Russia and Iran, in the
fight against ISIS and fragmenting forces in the country, there has been a
Shiization of foreign policy. The Alawites, who make up around 13-15% of the
country's population (24 million inhabitants), are Shiites, although more
“moderate.” They govern the country and control fundamental sectors, starting
with President Bashar al-Assad and his clan. There are also Ishmaelites, c. 1%,
and Septimal Shiites (seven imams only). Less politically involved, they are
still Shiites.
There is, therefore, a political reality
of religious origin, Shiism led by Iran, with control of more than half of the
world's hydrocarbon production, under the aegis of an Islamic branch that makes
up only 10 to 15% of global Islam, but as already we have seen, occupying a
territorial crescent that is the basis of exponential military and political
growth in the international geopolitical design.
(imagens de domínio público)
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