Parece que não, infelizmente para ele, em primeiro lugar…
Publicado em 23-03-2022
Será que esteve? Parece que não, infelizmente para ele, em primeiro lugar… A escolha deste título, desenvolvido no artigo, prende-se antes com preocupações de carácter ambiental. Já tenho neste espaço terçado algumas razões e apontamentos sobre a Natureza, na história, na arte, no pensamento. Impõe-se, cada vez mais, regressar ao tema. Sem motivações políticas nem partidárias, sem serventias ou agenda nesse sentido, sem subliminaridades ou alinhamento em quaisquer interesses. Não sou de Cortegaça, nem Ovarense, mas gosto muito desta terra portuguesa, deste pedaço de mar, costa e floresta, das suas gentes e da sua história, neste rincão batido pelos ventos atlânticos, onde o apito do comboio lembra que afinal não se está no paraíso, mas no mundo. Num mundo verde, mas ameaçado. Assim, sem quaisquer interesses que não o apreço e a defesa da terra ovarense e da Terra, permitam-me esta reflexão. Não tanto sobre o grande poeta inglês George Gordon Byron, o 6º Barão de Rochdale (1788-1824), ou, simplesmente, Lord Byron. Que andou por Portugal, sim, mas apenas por Sintra e Mafra, mas a opinião que deixou foi depreciativa em relação ao País e aos Portugueses, no canto I (estr. 18-34) do seu Childe Harold´s Pilgrimage, mais encomisso em relação a Espanha. Não, não esteve na região de Ovar, nem em Cortegaça, para maior azar dele. Se por aqui tivesse andado, talvez a sua opinião tivesse sido mais elogiosa em relação a Portugal.
Mas porquê o título? Pelo amor que revela à Natureza. Um amor do Romantismo, do bucolismo e elevação da natureza, uma paixão como que um ideal de retorno do homem à natureza, à felicidade e ao Paraíso perdido, à floresta primordial, de onde o Homem saiu para a savana, para o prado aberto dos perigos e do sofrimento. Byron é um poeta romântico, do locus horrendus, da paisagem sombria, isolada, lúgubre, inquietante e decadente, em que a natureza se expressa no seu estado selvagem, que desperta sonhos e sensibilidades inusitadas no Homem. Senão veja-se o excerto do poema de Byron, Childe Harold’s Pilgrimage, Canto IV, Verso 178:
Há um prazer nas florestas desconhecidas;
Um entusiasmo na costa solitária;
Uma sociedade onde ninguém penetra;
Pelo mar profundo, e música no seu rugido;
Amo não menos o homem, mas mais a natureza...
Podíamos transportar-nos para o Encanto do Perímetro Florestal das Dunas de Ovar, que tem em Cortegaça uma das suas expressões mais intensas. Uma mata, um pinhal, que corre o risco de perder uma parte da sua extensão, da sua verdura. O mar que ruge está tão ali, perto, com as suas dunas, numa costa solitária, que se anima no Verão, que não é escaldante. Porque a floresta e o mar amenizam o clima da região, protegem o Homem e as suas culturas agrícolas, o seu sustento.
Trata-se de uma mancha verde que ocupa actualmente cerca de 2.584 hectares e está sujeita a Regime Florestal Parcial. Todavia, o plano de resinagem e corte de madeiras estabelecido pelo ICNF - Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas - prevê o abate de cerca de 10% desse frondoso pinhal até 2026, cota que os moradores consideram excessiva, até porque a medida não prevê acções de replantação por mão humana e confia a tarefa à reflorestação espontânea - o que diversos técnicos da natureza consideram um estímulo à introdução e afirmação de espécies invasoras. E, claro, o desvirtuar da identidade desta mata. Sun Tzu (544 a.C. – 496 a.C.), militar e estratega chinês, advertia que quem ignorasse a geografia, particularmente as montanhas e as florestas, não poderia liderar a marcha de um exército, guiar um povo, portanto. Se ignorarmos esta floresta, desprezarmos o seu valor e minimizarmos a sua importância na nossa existência, estamos a pôr-nos a nós próprios em causa. Sejamos de Ovar ou de onde quer que sejamos.
Há muitas razões para se preservar uma floresta. Uma floresta como é a das Dunas de Ovar. De florestas de coníferas a exuberantes florestas tropicais, entre tantos tipos, as florestas cobrem quase um terço da superfície da Terra. Mas à medida que as pessoas queimam e cortam grandes quantidades de árvores, essa cobertura florestal está a diminuir rapidamente. Em 2020, uma área de floresta tropical do tamanho de um campo de futebol desaparecia a cada quatro segundos. Se o desmatamento continua, a vulnerabilidade da natureza em geral a epidemias de insectos crescerá imparavelmente. As culturas de que necessitamos para a alimentação ou transformação industrial, ficarão depois em causa. Os efeitos serão devastadores nas pessoas, na fauna e flora, no planeta, contribuirão para a aceleração do aquecimento global.
Além dos recursos que podem proporcionar, através da criação de empregos também, para a riqueza das nações e o bem-estar das populações, as florestas são focos de biodiversidade sem igual. São bouquets de árvores, que abrigam 80% das espécies animais e vegetais do planeta. São um factor de equilíbrio dos ecossistemas, do meio em que vivemos. Já não existe uma grande ruralidade, talvez, mas as florestas foram e serão sempre um factor de protecção e subsistência das populações que vivem e trabalham na agricultura. O ar é melhor também, mais respirável, graças às florestas. Com elas, o clima torna-se igualmente mais adequado e sem excessos que possam colocar em causa a vida humana e a natureza no seu todo.
As florestas são depósitos naturais de carbono, por isso a nossa relação com a floresta pode determinar a diminuição ou então aceleração das alterações climáticas. Em cada ano, as florestas do mundo absorvem 16 biliões de toneladas métricas de CO2, ou sejam, mais de 40% das emissões mundiais de combustíveis fósseis. Se se destruírem as florestas ou parte delas, pode-se imaginar o que significará tal atentado para o clima e para a existência das espécies. As florestas protegem também de catástrofes naturais, impedem avanços de aluviões ou enxurradas, de movimentos de terra prejudiciais, evitam mecânicas de solos perigosas, desabamentos por exemplo. Junto a orlas costeiras, são ainda mais protectoras e eficazes na contenção do avanço perigoso ou excessivo do mar. Veja-se o caso das dunas de Ovar e da sua massa florestal, conhecem? Imaginam o que será com o desflorestamento progressivo? Pode começar com 250 hectares, depois se esperamos pelo repovoamento florestal espontâneo, com as alterações climáticas em curso e a incúria humana, esses hectares poderão não vier a ser recuperados.
Estamos em período de seca severa, ou pior. Pois as florestas podem ajudar a combater essa progressão terrível. As florestas influenciam o ciclo da água através de um processo chamado transpiração. As árvores absorvem água através das suas raízes, muita da qual será libertada como vapor de água através das suas folhas. Este vapor de água acumula-se nas nuvens até cair como chuva, neve ou granizo. Embora a evaporação das massas de água seja responsável pela grande maioria da humidade na atmosfera, a transpiração das plantas permanece significativa. Por exemplo, um grande carvalho pode libertar c. 151 000 litros de água por ano.
Além do conforto espiritual, além do peso cultural e patrimonial, uma floresta é como um corpo, uno e indivisível, que não devemos mutilar e sangrar, alterar enfim. Porque se vão então desflorestar tantos hectares na maravilhosa mata dunar de Ovar, uma imagem viva que toda a vida tive. O mar e o verde do pinhal, uma simbiose que confere grandeza ao território. Será que o verde continua a ser a cor da esperança, se matarmos assim uma floresta? Que esperança se arruinamos o nosso futuro? Deixo aqui estas ideias, integrem-nas na paisagem, no meio ambiente natural da região e equacionem a falta que faz a uma floresta retirar-lhe uma parte… Alguém gostaria que se arrancasse uma parte do corpo sem necessidade? É cruel a comparação, mas chegamos a um ponto em que se não agirmos, não haverá retorno…
Não quero flores no meu enterro, pois sei que vão arrancá-las da floresta.
Chico Mendes
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