História da Igualdade de Género - século XVIII
Publicado em 27-08-2024
Benito [ou Benedito, ou Bento]
Jerónimo Feijó y Montenegro (Pazo de
Casdemiro, Pereiro de Aguiar, província de Ourense, 8 de outubro de 1676 –
Oviedo, 27 de setembro de 1764) foi um monge beneditino, ensaísta e polígrafo
espanhol. É, provavelmente, a figura mais importante do primeiro Iluminismo
espanhol. Autor do precoce e curioso discurso "Defesa da Mulher"
(1726), é considerado o primeiro tratado sobre o feminismo em Espanha.
As suas duas obras mais famosas,
"Teatro crítico universal" (1726-1739) e "Cartas eruditas y
curiosas" (1742-1760), são coleções de ensaios em vários volumes que
cobrem uma variedade de assuntos, desde história natural e as ciências então
conhecidas, educação, história, religião, literatura, filologia, filosofia e
medicina, até superstições, maravilhas e temas de interesse jornalístico
contemporâneo. As edições de 1777, que evidenciam tanto a erudição como o
sucesso das obras, têm, respetivamente, nove e cinco volumes, aos quais se
devem acrescentar três volumes suplementares. A reimpressão ocorreu no volume
56 da Biblioteca de autores españoles, com introdução de Vicente de la Fuente.
À medida que a investigação científica progrediu, os seus escritos foram
ficando relegados a um interesse principalmente histórico e literário. Uma
pequena parte das suas obras foi traduzida para inglês pelo Capitão John Brett
(3 vols., 1777-1780).
O "Teatro crítico universal, ou
Discursos varios en todo género de materias para desengaño de errores
comunes", é uma extensa coleção de ensaios escritos pelo monge beneditino
e polígrafo espanhol Benito Jerónimo Feijoo, publicados em nove volumes entre
1726 e 1740.
A defesa das mulheres
No seu "Teatro Crítico
Universal", Benito Jerónimo Feijó (1676-1764) apresenta um conjunto de
discursos “para desiludir os erros comuns”. Este propósito estava alinhado com
o iluminismo professado pelo monge beneditino, professor da Universidade de
Oviedo e membro do Conselho Real. O discurso número 16, publicado em 1726, é
dedicado à defesa da mulher. É frequentemente citado, por ser considerado parte
do cânone textual do feminismo e constituir uma fonte básica para os pródromos
deste movimento. O objetivo de Feijó é demonstrar a igualdade entre mulheres e
homens. Para tal, defende a aptidão das mulheres para todo o tipo de ciências e
conhecimentos sublimes; e refuta o erro da desigualdade: as mulheres devem
reconhecer a sua dignidade, que não é inferior à dos homens.
No contexto da polémica feminista, Feijó
aborda, sob o título de defesa das mulheres, a questão da igualdade de género,
centrando-se na vertente da “compreensão”. O Discurso XVI, Volume I, suscitou
opiniões opostas na época, tanto por parte do establishment eclesiástico
como do mundo secular.
O texto, frequentemente ignorado nos
estudos sobre a vida e obra de Benito Feijó, insere-se na genealogia do
feminismo, que os estudos feministas europeus e, especificamente, espanhóis
consideram essencial conhecer e incluir na cronologia do feminismo.
O objetivo de Feijó estava expresso no
título, tentando corrigir antigas superstições, preconceitos e costumes, uma
questão já colocada por autores europeus como Thomas Browne em Inglaterra e
Christian Thomasius na Alemanha. Feijó surge como uma figura que defende o
método experimental em ciência, é moderadamente céptico em assuntos
relacionados com a hagiografia, embora sem levantar dúvidas sobre o dogma
católico, e destaca-se, de um modo geral, pela sua notável, embora para alguns,
superficial erudição, no estudo das questões literárias, estéticas e
filológicas. Esta obra foi uma das mais elogiadas do seu tempo, e também uma
das mais criticadas e atacadas pelos seus contemporâneos, mas dentro da
genialidade da prosa espanhola que tanto enriqueceu as letras.
O discurso em defesa da mulher (o
verdadeiro título) é relativamente extenso, estando apenas parcialmente
incluído na BAE (Biblioteca de Auctores Españoles). Não é fácil encontrar este
texto nas antologias do referido Autor, que o intitulou simplesmente de “Defesa
da mulher”.
Em primeiro lugar, Feijó opõe-se à
“opinião comum” que “difama as mulheres”, e propõe defendê-las e discutir a sua
aptidão “para todos os tipos de ciências e conhecimentos sublimes”. Esta
atitude esclarecida colocou Feijó certamente contra as opiniões ou crenças
comuns, ousando pensar por si próprio. É uma lógica do bom senso, ou melhor
dito, uma lógica do melhor bom senso. O monge sugeria que há intentos de
vingança no homem quando difama ou vilipendia as mulheres, pois acredita que
talvez na saciedade do apetite se gere um tédio desagradável nos homens, e
acredita também que “venha com tais insultos a rejeição das rogações” [da
mulher]: há um homem tão amaldiçoado que diz que uma mulher não tem que ser boa,
só porque não quis ser má»; Feijó chama, por isso, homem amaldiçoado ao homem
que insulta as mulheres para se vingar da sua rejeição [delas...].
A defesa a que se propõe o Padre Benito
argumenta nas mulheres “a vergonha contra todas as baterias do apetite”, bem
como uma maior inclinação para a piedade, além de proclamar que “a espécie não
pode ser preservada sem a concordância de ambos os sexos”. Insiste, recordando
Aristóteles (que descreve como "iníquo para com as mulheres"), que na
verdade a mordacidade do homem contra elas é acompanhada na maior parte das
vezes "por uma desordenada inclinação" em relação a elas.
Feijó pretende no seu Discurso refletir
sobre a “igualdade” dos sexos aos olhos de “uma multidão ignorante”: indica que
em termos de robustez, perseverança e prudência parece que se deve dar
preferência aos homens, mas acrescenta imediatamente que as mulheres “podem
reivindicar o “empate” se forem apontadas três qualidades que “os excedem”
[suplantam], e que são a beleza, a docilidade e a simplicidade. Em suma,
trata-se de persuadir não “a vantagem” das mulheres, mas – como se disse – “a
igualdade” dos sexos. Feijó chega a corrigir o seu discurso a dado momento,
colocando a beleza da mulher antes da robustez do homem, “porque se a robustez
alcança um lugar melhor no entendimento, a beleza tem maior império na
vontade”, e a vontade é considerada poder mais nobre que a compreensão.
Por sua vez, o religioso beneditino
objecta que se se diz que a docilidade que reconheceu nas mulheres declina em
ligeireza, “respondo que a perseverança dos homens degenera muitas vezes em
teimosia” e que “a prudência dos homens é equilibrada pela simplicidade”.
Todavia, na "idade de ouro" (siglo de oro), "ninguém a
compôs de homens prudentes, mas por homens cândidos". O Padre Feijó
identifica uma vida justa e feliz com uma das virtudes da mulher, mas tem em
mente que esta virtude da simplicidade equilibra a outra virtude da prudência
que atualmente [século XVIII] parece ser preponderante nos homens: estamos
sempre perante um tom argumentativo de igualdade ou “empate” entre os sexos. A
vergonha, diz o monge, acredita ser “a maior vantagem que as mulheres têm em
relação aos homens”, pois é “uma barreira que a natureza colocou entre a
virtude e o vício [ou pecado]”. Acrescenta que a vergonha “seria sempre um
“preservativo” [termo usado pelo A.] muito precioso, pois pelo menos evita
escândalos infinitos e as suas terríveis consequências”. Feijó parece enfatizar
mais uma vez a simplicidade de uma vida justa, porque nesta simplicidade não há
espaço para o escândalo que a virtude da vergonha rejeita.
O preclaro Autor chega a um momento do
discurso em que realça como pensa “ter apontado tais vantagens por parte das
mulheres, que equilibram e talvez até excedam as qualidades em que superam os
homens”, e nesse sentido traz à luz exemplos de "prudência" política
"em mil princesas": "Pelo menos a descoberta do Novo Mundo, que
foi o acontecimento mais glorioso da Espanha em muitos séculos, é verdade que
não teria sido alcançada se a magnanimidade de Isabel não tivesse superado os
medos e a preguiça de Fernando” [Reis Católicos].
Apesar da robustez que parece
indissociável do sexo masculino, o Padre Feijó também defende que “não passou
um século sem que as mulheres corajosas não tenham enobrecido”. Em suma, Feijó
queria proclamar a aptidão das mulheres para todos os tipos de conhecimento e,
assim, atribui à parcialidade dos autores a inferioridade que, na opinião
comum, é atribuída às mulheres: “Foram homens que escreveram aqueles livros em
que a compreensão das mulheres é condenada como muito inferior. Se mulheres os
tivessem escrito, estaríamos abaixo deles”. Neste ponto, o nosso autor procurou
também persuadir sobre “a igualdade de ambos os sexos nas “prendas
intelectuais””.
Benito Jerónimo Feijó foi um dos mais
proeminentes intelectuais espanhóis do século XVIII. É frequentemente comparado
a Voltaire, mas, ao contrário do francês iluminista, Feijó era... feminista.
Nos seus escritos, revelou uma grande variedade de temas: educação, direito,
medicina, superstições e crenças populares. Apesar de ser clérigo, não recorreu
a argumentos religiosos nem tratou de temas sagrados. Segundo a 'Antologia do
Pensamento Feminista Espanhol', publicada por Roberta Johnson e Maite Zubiaurre
nas Ediciones Cátedra, Feijó limitou-se a observar e a criticar, "mas não
costumava propor reformas concretas". Um dos seus discursos, o número 16
do primeiro volume do 'Teatro Crítico Universal', publicado entre 1726 e 1739,
intitula-se “Defesa das Mulheres”. Este é geralmente considerado o primeiro
tratado feminista espanhol. Nele, o monge refuta as ideias tradicionais sobre o
tema e não se limita a defender a igualdade entre mulheres e homens, mas também
a superioridade moral e até intelectual das mulheres. O discurso começa
corajosamente: "A tanto se estendeu a opinião comum em vilipêndio das
mulheres que apenas se admite nelas coisa boa. Na moral, enche-as [a opinião
comum] de defeitos e, no físico, de imperfeições. Mas onde tem mais força [a
dita opinião comum] é na limitação dos seus entendimentos. Por esta razão”, o
autor discorreu “mais largamente sobre a sua [da mulher] aptidão para todo o
género de ciências e conhecimentos sublimes."
Vindo de um homem da igreja e de uma
época em que o papel atribuído às mulheres não era de todo relevante, é uma
afirmação e tanto. Três séculos depois, choca frontalmente com muitos atavismos
persistentes, como o que consta no livro (tradução do original italiano) Casar
e ser submissa [Cásate y sé sumisa: Experiencia radical para mujeres,
por Costanza Miriano, Editorial Nuevo Inicio 2013], publicado por uma editora
dependente do arcebispado de Granada, que gerou enorme polémica na época da
publicação. Constanza Miriano defende que basta ouvir o que um homem pede, pois
seria “como se Deus estivesse a falar” para trazer orientações numa decisão ou
escolha. O livro encoraja as mulheres a casarem-se e dedicarem-se aos maridos,
com base em princípios do Antigo Testamento da Bíblia. Tudo correria melhor
matrimonialmente se as mulheres assumissem o casamento como esposas e mães, no
seu verdadeiro papel: ou seja, submissão ao serviço. Esta submissão corresponde
a uma obediência leal, generosa, que implica estar abaixo para ser o apoio de
todos os membros da família, porque quem está abaixo é que sustenta o mundo,
defende a autora...
E embora seja verdade que, na sua época,
o discurso de Feijó suscitou opiniões opostas, tanto por parte do establishment
eclesiástico como secular, e que o texto foi frequentemente ignorado nos
estudos sobre a vida e obra de Benito Feijó, hoje faz parte da história do
feminismo, além de que os estudos feministas, concretamente os espanhóis,
consideram essencial conhecer e incluir. Afinal, a posição do frade beneditino
era controversa, tendo em conta que, no início do século XVIII, quando o
“Teatro Crítico Universal” viu a luz do dia, a Inquisição continuava a
funcionar à vontade.
Até ao século XVIII, a mulher era a
terceira pessoa da sociedade, a “não pessoa”; a sua intervenção na cena pública
limitava-se ao punhado de mulheres da alta nobreza a quem era permitido um
determinado poder, mas reduzido e pontual. Entre as classes média e baixa,
estavam condenadas a viver sob as ordens dos pais ou dos irmãos, maridos ou
confessores: a obediência sempre com aquele denominador comum de subordinação a
uma figura masculina. Mas a ruptura com a cultura barroca e a entrada na
Ilustração marcam a “descoberta” da mulher. Os textos que defendem a igualdade
entre homens e mulheres são cada vez mais numerosos, com a França na linha da
frente. Feijó aprendeu e trabalhou na Espanha barroca, onde a religiosidade
supersticiosa proibia quase qualquer desejo de renovação, mas também respirava
os ares iluminados que ali chegavam da França. A sua obra é, por isso, uma luta
constante contra os erros tradicionais forjados na Idade Média e enraizados ao
longo do Século de Ouro.
Na sua “Defesa das Mulheres”, Feijó
deixa-nos o seguinte: "Mesmo que as almas sejam inerentemente desiguais,
como nos provarão, ou nos farão acreditar, que Deus escolhe o melhor para os
homens, deixando o menos perfeito para as mulheres? Mas quando admitimos que a
uma organização sensata diferente se segue uma capacidade intelectual distinta,
o que se inferirá disto? Nada, porque as mulheres não são formadas de forma
diferente da dos homens. Quem disse a Plínio que o homem tem um cérebro maior
do que o dos outros animais? Houve porventura algum homem tão prolixo que
cortou a cabeça a todas as espécies sensíveis, para depois pesar os seus
cérebros?” Assim argumentava Feijó, no século XVIII, na Espanha católica e
conservadora.
Em suma, Feijó foi aos poucos alegando o
potencial da mulher em qualidades como “prudência política”, “vergonha”,
“docilidade”, “simplicidade e beleza”, “inclinação à piedade”, “prudência
económica”, “fortaleza”, "observância do segredo", "a questão da
compreensão", "temperamento". A isto acrescentará então uma
longa lista de mulheres ilustres de França, Itália, Espanha e Alemanha,
encerrando a sua dissertação.
Na opinião de Ana Garriga Espina,
estudiosa da obra de Benito Jerónimo Feijó, em 'O conformismo forçado de Feijó
na Espanha do século XVIII', pena é que o Padre Benito não se atreveu a tirar
conclusões: “Sabia que não tinha poder suficiente para lançar uma denúncia em
termos absolutos — a Inquisição poderia condená-lo — e, embora ousado,
continuou a ser o intermediário que empresta a sua voz às mulheres”. "O
meu esforço não é persuadir a vantagem, mas a igualdade. Quem vai pronunciar a
sentença neste processo? Se eu tivesse autoridade para o fazer, talvez desse
uma parte. Mas como não actuo como juiz, antes como advogado, o processo
permanecerá indeciso por enquanto." Concluindo, é de realçar o apelo
directo que Feijó dirige às mulheres em determinado momento do discurso: “Que
as mulheres saibam, então, que não são inferiores aos homens em conhecimento.”
O monge de Oviedo propunha-se assim a
combater a misoginia dos séculos anteriores, embora não tenha conseguido
desvincular-se de alguma ortodoxia cristã no seu discurso.
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