Os vários caminhos da verdade
Publicado em 08-11-2024
Parábola dos Cegos e o Elefante
A parábola dos cegos e do elefante é a história de um grupo de cegos que nunca tinham encontrado um elefante e que apenas aprendem e imaginam como é o elefante ao tocarem-lhe. Cada cego sente, ou apreende, apenas uma parte diferente do corpo do animal, mas apenas uma parte, como a lateral ou a presa. Sente o que toca, portanto. Descrevem então o animal com base na sua experiência limitada e as suas descrições do elefante são por isso diferentes entre si. Em algumas versões da lenda, chegam até a suspeitar que a outra pessoa é desonesta e entram em conflito...
A moral da parábola é que os humanos têm a tendência de reivindicar a verdade absoluta com base na sua experiência limitada e subjectiva, à medida que ignoram as experiências limitadas e subjectivas de outras pessoas, que podem ser igualmente verdadeiras. Mas são todas parciais e limitadas. A parábola teve a sua origem no antigo subcontinente indiano, de onde foi amplamente difundida, a partir do hinduísmo, do jainismo e do budismo.
O texto budista Tittha Sutta, contém uma das primeiras versões da história. O Tittha Sutta está datado de cerca de c. 500 a.C., portanto durante a vida do Buda (Siddharta Gautama, c. 563 – c. 483 a.C.). Outras versões da parábola descrevem homens com visão que encontraram uma grande estátua numa noite escura, ou algum outro objecto de grandes dimensões, enquanto estavam vendados ou sem visão nocturna.
Nas suas diversas versões, é uma parábola que se cruzou entre muitas tradições religiosas e faz parte de textos jainistas, hindus e budistas do primeiro milénio d.C., podendo já existir anteriormente. A história surge também na tradição da fé sufi e bahá'í do segundo milénio. A história tornou-se mais tarde conhecida na Europa, com o poeta americano do século XIX, John Godfrey Saxe (1816–1887), em que o elefante é uma metáfora de Deus, e os vários cegos representam as várias religiões que discordam. A história foi publicada em muitos livros para adultos e crianças e interpretada de diversas formas. A possibilidade interpretativa desta parábola é infinita, como poderão entender, além de se manter actual e bastante pertinente.
Parábola
Era uma vez seis cegos que viviam numa aldeia. Um dia, os aldeões disseram-lhes:
“Ei, hoje há um elefante na aldeia”.
Todavia, os cegos não faziam ideia do que era um elefante. Eles decidiram,
“Mesmo que não o possamos ver, vamos senti-lo de qualquer maneira.”
Todos eles foram até onde estava o elefante e todos lhe tocaram.
“Ei, o elefante é um pilar”, disse o primeiro homem que lhe tocou na perna.
"Oh, não! É como uma corda”, disse o segundo homem, que tocou na cauda.
"Oh, não! É como um galho grosso de árvore”, disse o terceiro homem que tocou na tromba do elefante.
“É como um grande leque”, disse o quarto homem que tocou na orelha do elefante.
“É como uma parede enorme”, disse o quinto homem que tocou na barriga (lateralmente) do elefante.
“É como um cano sólido”, disse o sexto homem que tocou numa presa do elefante.
Começaram então a discutir sobre o elefante e cada um insistiu que ele tinha razão. Começaram a ficar agitados e prestes a entrar em conflito. Então, um homem sábio estava a passar e vira esta diatribe, parou e perguntou aos cegos:
“Então, qual é o problema?”
Disseram eles:
“Não podemos, não conseguimos enfim, estar de acordo sobre como é o elefante.”
Cada um deles contou então como achava que era o elefante. O homem, sábio, explicou-lhes calmamente:
“Todos vocês têm razão. Cada um de vós está a contar isto de forma diferente, a sua versão, porque cada um de vós tocou apenas numa parte diferente do elefante. Por isso, podemos dizer que o elefante tem todas as características que todos vocês enunciaram.”
"Oh!"
Clamaram os cegos.
A rixa parou, sem mais brigas. Sentiram-se felizes por estarem bem.
A moral da história é que pode haver alguma verdade no que alguém diz em relação a algo. Por vezes, conseguimos ver essa verdade e, outras vezes, não conseguimos, porque podemos ter perspetivas diferentes das quais podemos discordar. Assim, em vez de discutirmos como os cegos, deveríamos dizer:
“Talvez tenha os seus motivos.”
Desta forma, não entramos em discussões. No Jainismo, por exemplo, explica-se que a verdade pode ser afirmada de sete formas diferentes, ensina-se a tolerância para com os outros e a possibilidade de viver em harmonia com pessoas que pensam de forma diferente.
1. possivelmente, tudo simplesmente existe
2. possivelmente, tudo simplesmente não existe
3. possivelmente, tudo simplesmente existe, possivelmente tudo simplesmente não existe
4. talvez seja simplesmente indescritível
5. talvez simplesmente exista, talvez seja simplesmente indescritível
6. possivelmente tudo simplesmente não existe, possivelmente é simplesmente inexprimível
7. possivelmente, tudo simplesmente existe, possivelmente tudo simplesmente não existe, possivelmente é simplesmente indizível.
Blind Men and an Elephant Story
Once upon a time, there lived six blind men in a village. One day, the villagers told them, “Hey, there is an elephant in the village today.”
They had no idea what an elephant was. They decided,
“Even though we would not be able to see it, let us go and feel it anyway.”
All of them went where the elephant was, and everyone touched it.
“Hey, the elephant is a pillar,” said the first man who touched his leg.
“Oh, no! It is like a rope,” said the second man who touched the tail.
“Oh, no! It is like a thick tree branch,” said the third man who touched the elephant's trunk.
“It is like a big hand fan,” said the fourth man who touched the ear of the elephant.
“It is like a huge wall,” said the fifth man who touched the belly of the elephant.
“It is like a solid pipe,” Said the sixth man who touched the elephant's tusk.
They began arguing about the elephant, and everyone insisted he was right. It looked like they were getting agitated. A wise man was passing by, and he saw this. He stopped and asked them,
“What is the matter?”
They said,
“We cannot agree on what the elephant is like.”
Each one of them told what he thought the elephant was like. The wise man calmly explained to them,
“All of you are right. Everyone is telling it differently because each of you touched a different part of the elephant. So, the elephant has all those features that you all said.”
“Oh!”
everyone said. There was no more fighting. They felt happy that they were all right.
The story's moral is that there may be some truth to what someone says. Sometimes, we can see that truth, and sometimes, we cannot because they may have different perspectives that we may disagree with. So, rather than arguing like the blind men, we should say,
“Maybe you have your reasons.”
This way, we don’t get into arguments. In Jainism, it is explained that truth can be stated in seven different ways. So, you can see how broad our religion is. It teaches us to be tolerant of others' viewpoints. This allows us to live in harmony with people who think differently.
No Jainismo
Os textos jainas da era medieval explicam os conceitos de anekāntavāda (ou "multilateralidade") e syādvāda ("pontos de vista condicionados") com a parábola dos homens cegos e o elefante (Andhgajanyāyah), que aborda a natureza múltipla da verdade. Esta parábola encontra-se nos mais antigos agams jainas anteriores ao século V a.C. A sua popularidade permaneceu durante séculos. Por exemplo, esta parábola encontra-se em Tattvarthaslokavatika de Vidyanandi (século IX) e Syādvādamanjari de Ācārya Mallisena (século XIII).
É interessante a interpretação de Mallisena, pois utiliza a parábola para defender que as pessoas imaturas negam vários aspectos da verdade; iludidos pelos aspectos que compreendem, negam os aspectos que não compreendem, ou que não querem compreender. “Devido ao delírio extremo produzido a partir de um ponto de vista parcial, o imaturo nega um aspecto e tenta estabelecer outro”.
Mallisena cita também a parábola ao pretender demonstrar a validade de se considerar todos os pontos de vista para e obter uma imagem completa da realidade. “É impossível compreender adequadamente uma entidade que consiste em propriedades infinitas sem o método de descrição modal que consiste em todos os pontos de vista, uma vez que, de outra forma, levaria a uma situação de apreensão de meros rebentos (ou seja, uma cognição superficial e inadequada), na máxima dos cegos (homens) e o elefante."
COMENTÁRIOS
Em noite de insónia dei com estas palavras suas, caro amigo Vitor Teixeira, e com a parábola que nos deixou. Pois que bela forma de decifrar a verdade…, de dar as suas feições, de dar a entender que a verdade nunca será total É a grande barreira do conhecimento, o que se sabe é apenas uma pequeníssima parte do todo. Será através do acrescentar-se conhecimento que se alarga a possibilidade de se estar mais perto do que é. O saber é ir mais além, é ficar-se bem a cada passo acrescentado. Às vezes não entendo bem, mas parece-me que é isso que ainda faço. Procuro uma verdade. E não tem fim, pois estamos numa infinitude… Obrigada pelo que dá, assim, generosamente, a todos.