Jornal O Povo de Cortegaça
Publicado em 28-10-2021
Começo com uma frase de Virgílio (70-19 a.C.). Mas sem ser neste advérbio de dúvida. Será uma certeza, sem dúvida. O dia em que comecei a colaborar com o Jornal do Povo de Cortegaça. No fundo, a colaborar com Cortegaça, a sua terra, as suas gentes, história e cultura. Ensina a boa educação, porém, que quem chega se apresente. Pois chamo-me Vitor Teixeira, podia quase dizer como Almeida Garrett, “Pois nasci no Porto, mas criei-me em Gaia”, onde aliás vivo. Mas já vivi em muitos lugares, daqui até ao fi m do mundo, diria. De facto, vivi em Macau, de onde regressei à terra pátria em 2015.
Aqui estou, não como Egas Moniz de corda à cinta, a penhorar a terra, mas a oferecer a partilha do que eu sei e tenho vivido, acima de tudo com o escopo de ajudar a construir uma terra bonita, vetusta e simpática como Cortegaça. Assim o espero fazer, no cumprimento do convite/ desafi o que me foi lançado pelo Dr. José Maria Monteiro de Oliveira, superiormente irmanado – mais e melhor não poderia ser! – pelo Dr. Noé Monteiro de Oliveira, seu irmão. Na centelha voraz do tempo do encontro no qual os conheci e prontamente aceitei o seu convite, não foi difícil nem moroso compreender que estava perante dois homens de cultura, dois briosos fi lhos da terra de Cortegaça, dois apaixonados pela mesma e dois Atlas do serviço à comunidade, na cultura, no pensamento, na divulgação, no querer fazer a mais ciclópica, mas mais apaixonante, das obras que se pode fazer por uma terra: o seu desenvolvimento imaterial. Porque é o que mais se enraíza e permanece, se transmite entre gerações, assumindo-se aí como Património, que um dia se verterá na forma da materialidade. Justo e correcto será recordar que este convite tem a montante duas outras fi guras, Margarida Barra e José Pinhal e um lugar embrionário: Esmoriz. Na casa onde Margarida Barra, artista, de há muito concebe, semeia e dá forma visual e material à sua captação do mundo, dos sonhos e da vida, em grande nível estético e artístico, com a magia própria de quem vê para além das formas, das linhas, das cores e descobre o sentido mais profundo da obra de arte. À guisa de primeiro bosquejo, ou convite, por amor à arte, recomendaria ao estimado e corajoso leitor destas pobres linhas, uma visita à casa-atelier-colecção de Margarida Barra. Só, e principalmente, vale, mesmo, a pena.
Colhe quem semeia, quem luta e rega a planta. Da cultura, de que aqui falaremos. Como disse em tempos um grande homem, da literatura, da fi losofi a, da cultura que tanto o apaixonou, de que foi um grande semeador e divulgador, André Malraux, “A cultura não se herda, conquista-se”. É por aí que sentimos a força do convite e o desejo de o levar a bom porto, de ajudar a conquistar, todos os meses, neste Jornal do Povo de Cortegaça, onde agora começamos neste exercício mensal de refl exão, atitude, prática e luta pela cultura e por Cortegaça.
A cultura é de todos, para todos, por todos. Por se conquistar, pode e deve estar ao alcance de todos. Como dizia um grande pensador e fi lósofo do século V a.C., por sinal chinês, de seu nome Confúcio, “A cultura está acima da diferença da condição social”. Porque “É preciso erguer o povo à altura da cultura e não rebaixar a cultura ao nível do povo”, rematando aqui com Simone de Beauvoir, mulher libertária e grande escritora.
Não podia ser mais verdade. Porque se conquista e está al alcance de todos, provavelmente é mais fácil de se conseguir do que superar os grilhões das diferenças sociais, da injustiça e da desigualdade, de que tantas vezes, tantos delas sofrem sem ter culpa alguma. Mas ricos, pobres, todos podem beber na fonte da cultura e dela nutrir o espírito e iluminar a vida. Faz recordar um outro pensamento, de Albert Camus, um grande escritor de língua francesa: “Sem a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva. É por isso que toda a criação autêntica é um dom para o futuro”. Selvas só queremos as que a Natureza nos oferece, na sua generosidade, como sucede em Cortegaça, no sentido botânico e ecológico, do Buçaquinho aos pinhais que orlam este belo lugar à beira-mar plantado.
A selva de Camus é a desorientação, a confusão e materialização excessiva e desumana da sociedade. A cultura é o polimento dos vértices e das arestas das agruras da vida ou dos desejos, dos sentimentos e ansiedades, é o pão imaterial da nossa fome de vida interior e a água da sede uma existência com sentido. A cultura é, como dizia Miguel de Unamuno, fi lósofo espanhol e grande amigo de Portugal, é, pois, a capacitação do homem para se livrar da escravatura, sob todas as formas de arte, de amor e de pensamento, através dos séculos. Também assim entendo cultura. Porque “A cultura é uma necessidade imprescindível de toda uma vida, é uma dimensão constitutiva da existência humana, como as mãos são um atributo do homem”, seguimos com Ortega y Gasset, sem dúvida alguma.
Caro leitor, não tema, é preciso abrir o coração à cultura, fonte de vida e de esperança. Não tema pelas glosas de sábios, nem por chorrilhos de erudição, nem exercícios ou devaneios literários. Prezo a simplicidade, que procuro, mas sei que Cortegaça merece o melhor e mais, sempre. A simplicidade é o último degrau da sabedoria, pensando com Khalil Gibran, um sábio libanês, um clarão de paz do país dos cedros. Shakespeare lembrava-nos, também, que às vezes a simplicidade e o silêncio dizem mais do que a eloquência planeada. Não se deve oferecer erudição, mas antes cultura do coração, como coisa necessária que é, como dizia Lao-Tsé, fi lósofo chinês também, o homem que nos ensinou o “caminho” (o Tao).
Não é um manifesto, mas poderia ser, este texto. Prefi ro que seja sempre um pouco de farinha e água, para que cada um faça o pão da cultura, da sua vida e mundividência. Para nos livrarmos da selva do tempo no mundo em que vivemos. Pois também do mundo falaremos, das terras e dos homens, da história e das histórias, do presente também. Pensando nos mais jovens também, aqui estarei. E recordo, em epílogo, um grande ídolo dos jovens de todos os tempos desde os anos 80 do século passado, insuspeito, mas inusitado, inesperado ainda mais e impensável numa coluna como esta:
“Um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes”.
Bob Marley
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